Educações ambientais e o racismo na literatura infantil : da objetificação da mulher negra em Monteiro Lobato à resistência em Kiusam de Oliveira
Autor: Mauren Lisiane Acosta Amaral (Currículo Lattes)
Resumo
A mulher negra, historicamente situada em uma posição de subalternidade nas estruturas sociais brasileiras, tem sido capturada por discursos que operam sua objetificação - processo pelo qual seu corpo é reduzido à condição de coisa, funcionalizado e esvaziado de agência. Esse processo tem na literatura um de seus principais dispositivos de enunciação, produzindo, desde os primeiros registros escritos e especialmente por meio da literatura infantil, narrativas que cristalizam imagens e sentidos sobre o corpo negro feminino. É nesse terreno discursivo que se forjam representações que sustentam desigualdades persistentes e atravessam o presente, compondo os alicerces simbólicos dos problemas sociais vividos pelas mulheres negras na contemporaneidade. Inserida na linha de pesquisa Fundamentos da Educação Ambiental, a investigação tem como objetivo geral compreender como as obras de Monteiro Lobato, especialmente "Caçadas de Pedrinho" (1933) e "Histórias de Tia Nastácia" (1937), participaram da consolidação de discursos racistas e eugenistas no Brasil, ao promoverem a constituição de subjetividades negras marcadas pela subalternidade e pelo apagamento. A análise considera a literatura como prática de pedagogia cultural, isto é, como um campo em que valores, saberes e formas de existência são ensinados, disputados e naturalizados, impactando diretamente os processos de subjetivação. Em contraponto às obras de Lobato, examina-se a produção literária de Kiusam de Oliveira, com ênfase em "O Mundo no Black Power de Tayó" (2013), "O Mar que Banha a Ilha de Goré" (2024) e a coletânea "Linebeiju" (2022), compreendidas como artefatos culturais contemporâneos que tensionam a normalização da branquitude e afirmam outras possibilidades de existência para as infâncias negras. A pesquisa, de abordagem qualitativa, fundamenta-se nos aportes teóricos de Michel Foucault acerca do poder e da subjetivação, articulados ao conceito de dispositivo de racialidade de Sueli Carneiro (2023). A metodologia adotada envolve elementos da análise genealógica e cultural das obras selecionadas, considerando as interseções entre literatura, pedagogia cultural e educações ambientais. Os resultados apontam que a literatura de Monteiro Lobato operou como tecnologia de poder, ao produzir discursos e imagens que naturalizaram a inferiorização da mulher negra no imaginário social brasileiro. Em sentido oposto, as produções de Kiusam de Oliveira configuram-se como práticas discursivas insurgentes, que desestabilizam o dispositivo de racialidade e promovem processos afirmativos de subjetivação negra. Conclui-se que a literatura, compreendida como prática educativa e cultural, exerce um papel estratégico na disputa por outros modos de existir, de habitar o mundo e de forjar subjetividades negras potentes e resistentes, em diálogo com as educações ambientais comprometidas com a justiça social e a valorização das epistemologias negras.